segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

silva mendes, o republicaneiro famalicense

Para o Dr. Manuel Sá Marques, que em 2008 teve a amabilidade de me oferecer a 1.ª edição do "Socialismo Libertário ou Anarquismo" de Manuel da Silva Mendes, estas breves reflexões. Abraço fraternal de amizade.


MENDES, Manuel da Silva (S. Miguel das Aves, 23/10/1867; Macau, 31/12/1931)
Filósofo, político e pedagogo famalicense. Quando nasceu na freguesia de S. Miguel das Aves, hoje concelho de Santo Tirso, esta freguesia pertencia ao concelho de V. N. de Famalicão. Realça-se, indiscutivelmente, no plano filosófico, o divulgador das ideias do socialismo libertário ou anarquismo nos finais do século XIX com a obra "Socialismo Libertário ou Anarquismo: história e doutrina". Tirou o curso de direito na Universidade de Coimbra, terminando o mesmo em 1895, casando nesta mesma cidade com Helena Berta Augusta Danke no dia 6 de Abril de 1901, preceptora dos filhos de Bernardino Machado. exerceu a advocacia em V. N. de Famalicão e, nesta fase, publica em 1896 "Reflexões Jurídicas: acção de processo ordinário: contrato de empreitada".





Considerado pelos seus inimigos políticos famalicenses como sendo o mais "ateu", o mais "anarquista", o mais "vermelho" dos republicanos de V. N. de Famalicão (tal como ele nos conta no seu texto de memória "Macau: impressões e recordações", com uma edição de 1979 e republicado na "Antologia dos Autores Famalicenses", em 1998), enquanto que nas suas palavras se cognomina de "republicaneiro" do que propriamente um "republicano", o seu livro "Socialismo Libertário ou Anarquismo" (1896) foi considerado por Sampaio Bruno como um "livro notável", ou, ainda, mais recentemente, como é o caso de João Freire (que prefacia a reedição facsimilada da obra em 2006), "a obra de Silva Mendes tem uma informação e um tratamento mais alargado no plano histórico e ideológico" relativamente ao livro de Eltzbacher com o título "As Doutrinas Anarquistas" (1908), aproximando-se do socialismo utópico quando afirma que "é uma utopia formidável ou uma fatalidade social" ou então, "nem defende, nem aconselha, nem aplaude, nem provoca, expõe. E quem pretende simplesmente expôr, fica bem atrás da tela." O que poderia ser então uma defesa à lei de 13 de Fevereiro de 1896 contra qualquer actividade anarquista, ameaçando os seus autores com a deportação. Ao longo do livro, Silva Mendes simpatiza-se com Fourier e Bakounine, elogia Proudhon e mantém com Marx uma postura de recusa e de aproximação, clarificando o ideal do anarquismo individualista. Nesta perspectiva, não será em vão que traduz em 1898 o poema de Schiller "Guilherme Tell", personagem em que revê o individualismo anárquico-metafísico.





No plano cívico-social, em V. N. de Famalicão, chegou a ser presidente da direcção da Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de V. N. de Famalicão (1898), dinamizando a banda musical; participa activamente nas campanhas do Partido Republicano em V. N. de Famalicão e colabora na imprensa famalicense, nomeadamente em "O Porvir", "O Minho" e em o "Regenerador". É amigo dos principais elementos do Partido Regenerador, caso de Santos Viegas, ou Barão de Trovisqueira, publicando-lhes elogios públicos. Foi leccionar para o Liceu de Macau (através da influ~encia de Santos Viegas) em 1901, no qual exerceu o cargo de Reitor-Interino por duas vezes (1904-1907 e 1909-1914), leccionando português e latim, tendo como colegas de docência Camilo Pessanha e Wenceslau de Morais. Para além da docência, exerceu a advocacia, tendo sido juiz de direito e procurador da república. Para além deste âmbito, teve uma actividade cívico-social e político-cultural de destaque, chegando a ser presidente do Leal Senado e administrador do concelho, é conhecido como reputado sinólogo, tendo sido um coleccionador notável da arte chinesa. Aliás, convém salientar, senão mesmo destacar, que o Museu Luís de Camões em Macau foi constituído com base no seu espólio particular, o qual foi então adquirido pelo estado português. Como tal, foram postumamente publicados os seus estudos "Barros de Kuang Tung" (1967) e "Arte Chinesa" (1983.










Manteve uma colaboração notável na imprensa macaense, nomeadamente "Vida Nova", "O Macaense", "O Progresso", "A Pátria", "O Jornal de Macau", "A Voz de Macau", assim como também nas revistas "Oriente" e "Revista de Macau". A sua colaboração na imprensa macaense foi reunida em sete volumes por Luís Gonzaga Gomes: "Colectânea de Artigos" (1949-1950) e "Nova Colectânea de Artigos" (1963-1964).







Em alguns autores existe a teorização de que não há continuidade no pensamento de Silva Mendes após a sua ida para Macau. Antes pelo contrário: a radicalização do indivudalismo ético-social do socialismo utópico (a liberdade natural) vai encontrá-la na filosofia oriental, mais propriamente no taoísmo. Esta ideia pode ser detectada em textos como "Lao-Tzé e a sua Doutrina segundo o Tao-te-King" (1930), ou mais recentemente "Sobre Filosofia", uma edição organizada por António Aresta, com uma introdução do mesmo. Os seus "Excertos de Filosofia Tao+ista" (1930) surgiram em anexo no livro "Meditações Orientais" (2004), uma colectânea de textos de Confúcio e de Lao-Tzé, numa organização de Loureiro Neves. No campo pedagógico, pressupões Silva Mendes uma reorganização do ensino em Macau, tal como demonstram os textos seleccionados no livro "Instrução Pública em Macau" (1996), numa organização e com uma introdução de Aresta.







BIBLIOGRAFIA
Amadeu Gonçalves - Manuel da Silva Mendes: com Vila Nova de Famalicão e em Macau: entre o anarquismo e a filosofia oriental, V. N. de Famalicão, 2009; Antologia de Autores Famalicenses, V. N. de Famalicão, 1998; António Aresta - Manuel da Silva Mendes e a Poética do Taoísmo, 1990; Manuel da Silva Mendes: historiador do socialismo libertário, 1990; António Pedro Mesquita - Republicanos e Socialistas, 2002; Biografia de Autores Famalicenses, V. N. de Famalicão, 1998; Carlos Miguel Botão Alves - Silva Mendes e o Taoísmo, 1991; Isabel Nunes - Museu Luís de Camões: a sua criação, 1991; Manuel Teixeira - Liceu de Macau, 1986; Pedro da Silveira - Silva Mendes: notícias biobliográficas, 196; Sampaio Bruno -
O Brasil Mental, 1997; Vasco César de Carvalho - Aspectos de Vila Nova: A Justiça, V. N. de Famalicão, 2005; Victor de Sá, Um Anarquista Famalicense em 1896, 2005.


do projecto em curso
"Dicionário de Escritores Famalicenses: século XVIII a XX"
por Amadeu Gonçalves

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