“Pobres éramos, pobres ficámos e pobres somos, mas nas nossas almas arde sempre a mesma chama sacrossanta que nos iluminava quando gritámos pela primeira vez: Viva a República! Porque acima da Morte que me espera, está o ideal que me norteia. Sim. Viva a República.”
Maria Veleda
Apresentada pelo Professor Norberto Cunha, coordenador científico do Museu Bernardino Machado, a Professora Natividade Monteiro proferiu a sua conferência no IV Ciclo “As Mulheres e a I República”, com o título “Maria Veleda (1871-1955: feminista, republicana, pedagoga e livre-pensadora”.
Considerando inicialmente que Maria Veleda (pseudónimo de Maria Carolina Frederico Crispem) desde muito cedo se dedicou a causas políticas e sociais, que incomodava os poderes instituídos (eclesiásticos e políticos) – aliás, o seu artigo “A Propósito”, publicado no jornal “A Vanguarda” em 9 de Fevereiro de 1908, a seguir ao regicídio, que esgotou duas edições do mesmo jornal, valeu a Maria Veleda um processo-crime por abuso de liberdade de imprensa, valendo-lhe as suas correligionárias da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, e testemunhando a seu favor personalidades como António José de Almeida, João Chagas, Manuel de Arriaga ou Ana de castro Osório, entre outras –, que não se assustava com ameaças, não concordou com o voto restrito, pretendendo o voto para todas as mulheres. Considerava igualmente, por exemplo, que o anti-clericalismo e o anti-jesuitismo deveria ser discutido na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, situação que nunca agradou, por exemplo, a Ana de Castro Osório.
A Professora Natividade Monteiro e o Professor Norberto Cunha, coordenador científico do Museu Bernardino Machado, na apresentação da conferencista.
Filha da classe média algarvia, o pai, João Diogo Frederico Crispim, desempenhou cargos de relevo no município de Faro e foi director da Sociedade Teatral da mesma cidade, enquanto que a mãe, Carlota Perpétua da Cruz Crispim, pertencia à burguesia proprietária local. Desta forma, seria influenciada Maria Veleda pelo teatro, sonhando desde sempre com a pretensão de escrever peças de teatro com personagens femininas, participando, aos sete anos de idade, no Teatro Lethes, na peça “Lenço Branco”. Começa a colaborar, a partir dos dezanove anos, na imprensa algarvia e alentejana, caso dos jornais “O Distrito de Faro”, “Pequeno em Tudo”, “O Almanaque Braz de Alportel”, “O Repórter”, “O Algarve”, “O Alentejo, “A Tarde”, “O Cruzeiro do Sul, etc. O que então escrevia era crónicas literárias, folhetins, poesia, contos, crónicas e artigos, nos quais defendia já uma educação e uma pedagogia feminista contra as superstições e o analfabetismo. Conheceu Cândido Guerreiro, do qual teria um filho, assumindo-se mãe solteira, não aceitando o convite de casamento, na medida em que considerava tal convite apenas para a satisfação social: um casamento, na perspectiva de Maria Veleda, devia basear-se no amor e confiança incondicionais e não no sentimento de compaixão ou de meras convenções sociais; e um filho não justificava um casamento a qualquer preço.
Colocada como professora no Alentejo, em 1905 desloca-se para Lisboa e em 1906 torna-se professora auxiliar no Centro Republicano Afonso Costa. Converte-se aos ideias republicanos e inicia a sua colaboração em jornais como “A Vanguarda”, “ Século”, ou “O Mundo”, conhecendo republicanos como Magalhães Lima, Alexandre Braga, França Borges, entre outros. O que defende nos seus textos é uma educação racional influenciada pela educação nova, uma educação integral, laica, defende a conciliação das artes e da ciência para a formação cívica, assim como igualmente uma educação física. Em 1907, no mesmo centro, realiza cursos nocturnos para complementar a instrução, através de conferências e no Centro Escolar José de Almeida cria cursos à hora da missa, considerando que estes mesmos cursos seriam a igreja cívica para as mulheres, assim como também para os homens, exercerem os seus direitos e deveres cívicos. No Centro Republicano Botto Machado pertenceu à direcção do mesmo centro, tendo sido a primeira mulher a representar tal cargo. Será através de Botto Machado que se tornará uma brilhante oradora. Entre 1906 a 1911 escreve no jornal “A Vanguarda” sobre educação, política, ou de como se fez livre-pensadora, e efectua a propaganda republicana. Em 1907, na homenagem nacional que então se presta a Bernardino Machado, Maria Veleda está presente na comissão de homenagem. Com o regicídio, considerou então Maria Veleda no célebre artigo que esgotou duas edições do jornal “A Vanguarda” que o “Rei provocou o seu próprio desfecho” e, termina, dizendo que “morreu um Rei, antes ele que um homem!” O texto agradou aos republicanos que então lhe prestaram uma homenagem. Em Abril de 1908 pertenceu à Comissão organizadora do I Congresso Nacional do Livre-Pensamento, com a presença de republicanos, socialistas e anarquistas, e, para além das questões sociais, reivindicou o amor-livre. No jornal “República, neste mesmo ano, realizou um plebiscito às mulheres portuguesas, para que estas votassem no republicano que mais defendiam os seus interesses: quem então ganhou foi António José de Almeida, para surpresa de Maria Veleda, já que considerava Bernardino Machado e Magalhães Lima como os republicanos que mais defendiam os interessas das mulheres. Ironia do destino, em plena República, António José de Almeida vetava o voto universal feminino e considerava Maria Veleda como a mais vermelha das feministas, pela sua coerência de pensamento e pela sua visão das realidades sociais. Em 1909, participa na manifestação anti-clerical promovida pela Junta Liberal em Lisboa, estando presentes cerca de 300 mulheres.
Com a implantação da República, as mulheres defendem a renovação do código civil, o divórcio e o direito de voto. Alguns republicanos mostraram-se favoráveis ao voto universal feminino, caso de Tomás da Fonseca, ou Magalhães Lima. Do outro lado da barricada, António José de Almeida. Este grupo considerava que as mulheres eram influenciáveis e poderiam sê-lo pelos eclesiásticos. Surgem duas posições: a de Maria Veleda e a de Ana de Castro Osório: a primeira defendia o voto para todas as mulheres e lutar pela igualdade era lutar contra todas as formas de aristocracia; por seu turno, a segunda defendia o voto restrito, considerando que as mulheres deviam ser educadas para votarem em consciência. Nesta fase, Maria Veleda começa então a delinear novas estratégias para pedir o direito de voto às mulheres, caso da emancipação política ou económica. Faz parte dos Grupo das Treze: este grupo, mais político, combate a superstição e o fanatismo religioso, proclamando Veleda a ciência, já que a “sociedade ideal será aquela em que a mulher levante templos à ciência”. Crítica todos os que se servem da República para satisfazer os seus interesses próprios e discursa contra as incursões monárquicas, defendendo o regime republicano. Escreve e conspira, igualmente, contra a ditadura de Pimenta de Castro. Entre 1915 e 1916 defende a participação de Portugal na I Guerra Mundial e alia-se ao Partido Democrático de Afonso Costa, sendo critica pela Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, e afasta-se da mesma Liga. Fundou, em 1915, a Associação Feminina de Propaganda Democrática, com uma actuação cívica e política para passar à prática os direitos da mulher.
O jornal "Vanguarda" que esgotou duas edições com o artigo de Maria Veleda "A Propósito"
Com a noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921, Maria Veleda desilude-se com a República. Passa a escrever em jornais e revistas, como “O Século”, “A Pátria”, fundando “A Asa, “O Futuro”, “A Vanguarda Espírita, com comentários políticos e sobre educação, mantendo uma atitude crítica de maior distanciamento, não sem um certo humor. No final, a conferencista ofereceu ao Museu Bernardino Machado o seu livro “Maria Veleda: feminista republicana, escritora e conferencista”. Este livro contém as “Memórias de Maria Veleda”, publicadas no jornal “República “em 1950.
Sem comentários:
Enviar um comentário