Numa altura do ano em que o circo evidencia todas as suas virtualidades do espectáculo, apesar de, confesso, nunca ter sido um grande admirador desta actividade distractiva, nada melhor do que (re)lembrar um dos maiores artistas circenses de famalicão, de nome completo Serafim José Pereira da Silva (Esmeriz, V. N. de Famalicão, 05/04/1874; Paris, 16/06/1960). Dele se destaca o poder de equilíbrio, a acrobacia e a força. Mais conhecido por "Serafim de Esmeriz" por por "Serafim das Forças", o que dos seus sucessos sabemos encontram-se principalmente na imprensa e, mais concretamente, na famalicense, especialzmente no jornal "Estrela do Minho". Encontramos também referências na imprensa nacional, caso de "O Primeiro de Janeiro", assim como igualmente na internacional, caso do jornal francês "Petit Parisien", precisamente no ano em que abandonou a carreira, a qual se iniciou por volta dos 18 anos, trabalhando então na panificação, tendo o nome artístico de "Hércules". O "Estrela da Manhã", de 26 de Julho de 1960, conta-nos como Serafim Silva iniciou a sua carreira: "Aos 18 anos, no Palácio de Cristal, viu uns artistas vergar uma barra de ferro. Saltou ao palco e fez o mesmo! / Idêntica façanha fez com os pesos e os alteres e os artistas ficaram perplexos e queriam a todo o custo «atrelá-lo» à companhia... / Os companheiros do humilde moço-padeiro orgulharam-se da sua prodigiosa força e animaram-no a fazer carreira." Segundo uma fonte manuscrita existente na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, um inquérito realizado por Vasco de Carvalho (um dia destes dele falaremo aqui), sabemos que a sua carreira teve início no Circo Cardinal. Ele próprio, numa entrevista que concedeu a José Casimiro da Silva (outra figura a lembrar), e publicada no "Estrela da Manhã" em 20 de Novembro de 1955, uma questão que então surgiu foi o início da vida artística de Serafim da Silva, à qual respondeu da seguinte forma: "Era padeiro e ganhava uma libra por mês. No Palácio de Cristal exibia-se um dia o célebre Max e eu fui vê-lo. O sujeito fazia maravilhas com os pesos e alteres, mas o que mais me surpreendia era aquela marretada que lhe davam sobre uma grande pedra que lhe colocavam sobre o peito ou o murro que dava noutro e partia em duas! Atrevidamente saltei ao redondel e torci, como ele, as barras de ferro, e se não sou lesto tinha apanhado com uma vara de aço pelo lombo, pois o Max ficou furioso! Mas pude trazer ainda uma facção de pedra partida. / Chamei o meu camarada da padaria e pedi-lhe que pusesse sobre o meu peito um enorme calhau. Aquilo é facílimo e não presta para nada. Quanto maior for o pedregulho mais fácil é a... habilidade! Mais difícil é partir a fracção da pedra com um murro, mas partia, o que talvez o Max o não fizesse. Mas rebentei a mão e fiquei com ela a sangrar! Depois em face das minhas habilidades e força vieram contratar-me a troco de uma libra por semana... / Foi assim o início da minha carreira, para a qual a «Boa Reguladora» colaborou, fazendo-me as «engenhocas» necessárias aos vários números que eu criei." Será, igualmente, o "Jornal de Famalicão" que indicará, no ano do seu falecimento, ocorrido em Paris, vivendo então na Avenue des Platannes, Blanc-Mesnil, Seine-et-Oise, como tudo começou, no In Memoriam que então lhe dedica: "Moço e valente, sem contudo ser turbulento, um dia estava na feira desta vila quando uma junta de bois que puvaxa a um carro, se espantou, e pôs o povo em debandada. / Em dado momento surge, resoluto, um rapaz, espadaúdo, bronzeado, que pondo-se na frente do gado espavorido, lança-se à cabeçalha e domina-a inteiramente. / O povo junta-se. Comenta o feito de Serafim. Todos os olhos se quedam naquele rapaz simples de maneiras que tem nos olhos lampejo de coragem e destreza. Daí em diante todos lhe começam a chamar-lhe o «Serafim das Forças». E era realmente; valentem, decidido, arrojado, de rara temeridade. E assim começou a fazer sortes. Um dia, num circo ambulante, um artista desafiou qualquer espectador que quisesse levantar os alteres: / - Viva o Serafim! O Serafim das forças! - reclamou o povo. / Serafim Silva saiu à pista e fez a sorte com mais habilidade que o artista. Aplausos! / Palmas! E tudo isto havia de concorrer para o seu futuro - para a vida de Circo. / Foi no velho palácio de Cristal que fez a sua estreia. E daí em diante, « «Hércules S. S.» entrava triunfalmente na vida circense." Se esta nossa primeira abordagem destaca a característica física, será uma fonte oral (Eduardo Carneiro) que irá destacar o equilíbrio, o qual fazia na Quinta dos Casais em Esmeriz: colocava um arame esticado de árvore a árvore e andava em cima dele, evidenciando a sua habilidade. Neste sentido, já o "Estrela do Minho", em 1900, destaca "a brilhante carreira de trabalhos de força e de equilíbrio", encontrando-se em Espanha (Gijon) e no ano seguinte a sua carreira acrobática e a 25 de Março do mesmo ano refere-se ao sucesso que tem alcançado no Porto, trabalhando no Teatro Águia de Ouro. O mesmo jornal, em 1904, revela-nos que se encontra a trabalhar em Nova Iorque, com os seus sobrinhos, notabilizando-se nos trabalhos de equilíbrio, destacando o número então atractivo denominado "O Bombeiro Português", o qual era executado sobre escada livre, difícilimo e muito complicado." Para além deste número, que então ficaria famoso, temos o conhecimento de um outro, conforme nos evoca o "Estrela do Minho" em 1915, denominado "Velódromo Aéreo". No mesmo ano, sabemos pela mesma fonte, que esteve no Egipto; e, no ano anterior, supõe-se a sua prisão na fronteira alemã: assim nos noticia e faz eco em 27 de Setembro de 1914: "Correu por aí que estava preso na fronteira alemã o nosso patrício Serafim Silva, o já célebre artista equilibrista... / Felizmente o nosso amigo está na sua casa de Paris, de onde acaba de escrever-nos, ali está e dando ao Governo francês o seu automóvel para serviço militar, igualmente se oferecendo para o guiar e como bom latino, presta com entusiasmo os seus serviços em favor da causa da civilização contra a autocracia militarusra e brutal do Kaiser." Segundo o já referido inquérito realizado por Vasco de Carvalho, Serafim Silva apresentou espectáculos em V. N. de Famalicão no Teatro Progresso, o qual se situava na estrada de Guimarães, e no Cinema Olímpia. O primeiro país em que terá trabalhado terá sido a França (Paris), no Folies Berger. Também actuaria na mesma cidade no Cirque D`Hiver, segundo informação de Abel de Melo e Costa, comentando os seus "prodígios realizados tornaram-no na maior atracção circense da «Cidade da Luz» após a I Grande Guerra." O segundo país foi na Alemanha (Lepizig, Palace Theatre), depois Witergarten e Berlim. O terceiro país onde apresentou os seus espectáculos foi na Áustria e a segui na Suíça e em 1904 partiu por 21 semanas para a América do Norte, começando em Nova Iorque; mas antes disso já tinha passado por Espanha, Argentina (Buenos Aires), Uruguai (Montevideu), Brasil (Rio de Janeiro, S. Paulo, Santos). Regressando a Lisboa, partiria de novo para Inglaterra. O encontro entre Vasco de Carvalho e Serafim Silva é assim contado por Casimiro da Silva: "Entrou nesta altura Vasco de Carvalho que pediu ao grande artista uma entrevista na sua casa de Esmeriz. Estava cheio de admirar o Serafim Silva, mas não se recordava já das suas feições. Por isso deu um salto e os óculos quase lhe caíam, quando me perguntou: mas este é que é o «Serafim das Forças»? E deram-se um grande abraço. / Escusado será dizer que Serafim Silva ouviu durante uma hora, com aprazimento para ambos, o longo questionário de Vasco de Carvalho que vai encontrar no grande internacional artista famalicense precioso filão que saberá explorar para bem dos arquivos famalicenses."
Bibliografia
Abel de Melo e Costa - Crónicas do Café do Júlio. V. N. de Famalicão, 1992; Eduardo Manuel Santos Carneiro - "Actividades Sócio-Culturais, Comerciais e Personalidades de Vila Nova de Famalicão no Início do Século XX". In Boletim Cultural. V. N. de Famalicão, n.º 14 (1990), pp. 111-138.
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