quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

famalicão e camilo 14 olhares

e lá apareceu este livro com 14 olhares sobre famalicão, com camilo como pano de fundo, e encontrei-o debaixo de outros, mas apareceu. até pensei que já não o tinha, este livro único e histórico que foi então apresentando com a vida de saramago a famalicão no ano já ido de 1999, conforme rezam as crónicas noticiosas. e ao começar a folheá-lo, reparei que, ao longo das suas páginas, tinha por lá uns apontamentos da época, assim como alguns sublinhados. desses apontamentos e sublinhados desejo agora fazer a sua crónica. de alexandre cabral escrevo então que temos no seu texto umas "anotações bibliófilas à volta de um possível, que não é, romance de camilo". o equívoco é de alguns camilianistas, que julgaram que o romance "duarte de almeida" era de camilo. com as suas investigações genuínas e únicas, cabral evoca-nos que o respectivo romance é do escritor inácio pizarro. bento da cruz, que nos faz uma incursão de camilo perante a maçonaria, camilo maçónico, pois então, diz-nos logo desde o início que "há homens que ficam para sempre ligados, como sombras tutelares, às terras onde viveram"; e quando passa em Famalicão sente "a sombra gigante de Camilo sobre a cidade, e a voz inconfundível do Mestre" na sua memória. ernesto rodrigues, cujos estudos à volta da imprensa portuguesa muito aprecio, caso concreto, por exemplo, do livro "cultura literária oitocentista", fala-nos do mítico secretário de camilo zé fístula, o mal-tratado, diz-se, pelo menos vasco de carvalho, o historiador autodidacta de famalicão, assim o retrata, por parte de camilo. contudo, rodrigues avança a imortalidade de fístula na ficção camiliana. do célebre escritor mítico que escreveu o livro "a casa do pó", fernando campos, sobre a passionalidade do humano, e a propósito do "amor de perdição" e das emoções, diz-nos que "o choro e o riso são parte da natureza humana, mas a sua manipulação em arte, sobretudo em ambiente de psicologia colectiva..., é discutível quando atinge o exagero ou se arroga tornar-se objecto e fim da obra produzida." esta questão do riso em camilo faz-me lembrar um texto da agustina com o título "riso e castigo em camilo castelo branco" e publicado no catálogo da exposição "camilo/três épocas da vida" (1990) e republicado no livro "camilo, génio e figura" (1994). o texto de hélia correia contém este apontamento inicial: "intimidades, memória, após uma visita à casa-museu. conflitos de leitura, na juventude, entre eça e camilo". josé manuel mendes, a cada passo por vila nova, nem que seja por riba d`ave e, mais tarde, realço a sua colaboração num jornal que já não existe, "a voz de famalicão", evoca a azáfama central famalicense, assim como as suas mutações. vejamos este exemplo: "no meio da vila, o tempo repousara: árvores quietas, comércio, os idosos cavaqueando na praça, fatos escuros e chapéus pelas orelhas. recordo: restaurantes populares, uma loja de ferragens.., uma firma de utilidades domésticas, a pastelaria onde entrámos, a contar tostões, para comer bolos e beber laranjadas. vimos a polícia de trânsito a interceptar um camionista que seguia para a trofa. uma vendedeira de castanhas, dona de bigode bukhento, língua de trapos como só no norte se solta, enxotava um galã que lhe rondava as saias." já lídia jorge, por seu turno, também num texto de memória, fala-nos de um camilo ressuscitado nos seus livros, não na sua casa. gosto desta citação sublinhada: "o papel da escrita é o da criação da irrealidade." e se maria ondina braga nos relata em memória as passagens por famalicão e a visita à casa-museu, relembrando o ensimesmento e o espanto que sempre teve com as leituras de camilo, mário cláudio evoca-nos as más relações de camilo com a vizinhança, e vice-versa, enquanto que natália correia nos faz lembrar o flirt amoroso de camilo por maria da felicidade do couto brown, e, finalmente, urbano tavares rodrigues realça a sua descoberta por famalicão através das leituras de camilo, aquela interioridade minhota de camilo e não a exterioridade de antónio da costa.



  • Alexandre Cabral - "Nótulas Camilianas", pp. 13-18.
  • Bento da Cruz - "Famalicão, Camilo e a Maçonaria", pp. 21-33.
  • Ernesto Rodrigues - "Zé Fístula", pp. 37-39.
  • Fernando Campos - "Camilo e "O Marquês de Torres Novas", pp. 43-51.
  • Hélia Correia - "Intimidades", pp. 55-58.
  • José Jorge Letria - "Camilo em Ceide: o adeus às almas", pp. 61-62.
  • José Manuel Mendes - "O Sopro do Lugar", pp. 65-69.
  • José Viale Moutinho - "Um Fantasma em Seide", p. 73.
  • Lídia Jorge - "Geografia e Irrealidade", pp. 77-79.
  • Luiz Francisco Rebello - "O Norte no Teatro de Camilo", pp. 83-85
  • Maria Ondina Braga - "Sombras", pp. 89-91.
  • Mário Cláudio - "O Negativo da Sombra", pp. 95-96.
  • Natália Correia - "Um Amor Quase Fatal de Camilo", pp. 99-104.
  • Urbano Tavares Rodrigues - "Famalicão - Espaço Camiliano", pp. 107-108.





Opinião Pública. V. N. de Famalicão (5 Mar. 1999), p. 3.

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