sábado, 12 de março de 2011

bernardino machado e a problemática das mulheres

Para o Dr. Manuel Sá Marques, com um forte abraço de amizade fraterna e saudoso


Intregado nas actividades da Câmara Municipal de V. N. de Famalicão e do Museu Bernardino Machado no âmbito das comemorações da implantação da República em Portugal, realizou-se no dia 11 de Março, pelas 18h30, no mesmo Museu, a segunda conferência do IV Ciclo de Conferências "As Mulheres e a I República". O conferencista, o Professor Norberto Ferreira da Cunha, aposentado da Universidade do Minho e o coordenador científico do Museu Bernardino Machado, proferiu a comunicação "Bernardino Machado e a Problemática das Mulheres". Foi apresentado pelo Dr. Artur Sá da Costa, em representação do Vereador da Cultura e Vice-Presidente da autarquia famalicense, Dr. Paulo Cunha, que, ao salientar a história dos marginalizados, o tema do feminismo era oportuno, na medida em que a ONU proclamou o ano de 2011 o ano das mulheres.




O Professor Norberto Cunha iniciou a sua conferência anunciando que para perceber Bernardino Machado perante o problema das mulheres na sociedade portuguesa de oitocentos, tal situação não pode ser percebida de uma forma descontextualizada, mas sim contextualizando Bernardino Machado para a época em que emergiu o seu pensamento. Assim sendo, quando Bernardino Machado entra na Universidade de Coimbra, em 1866, dá-se a polémica do "Bom Senso e do Bom Gosto", a célebre questão coimbrã. Mas Bernardino Machado não s eencontra incluído na Geração de 70, até porque os seus amigos são outros, apesar do seu belíssimo texto dedicado a Antero de Quental. Os seus amigos são Gonçalves Crespo, João Penha, Alves da Veiga (comquem falava), Marçal Pacheco (que lhe divulgou Proudhon), entre outros. Além disso era monárquico e regenerador, professor de antropologia física, conhecia as correntes filosóficas da época como ninguém, e, contudo, o que encontramos em Machado é, não o cientismo da época, mas uma filosofia moral, tipo kantiana, assim sacundindo o próprio cientismo e afastando-se da célebre Geração de 70. Mas antes de evocar a problemática das mulheres no pensamento de Bernardino Machado, o Professor Norberto Cunha, situoua sua conferência em dois momentos contextuais: o primeiro, naquilo a que a autoridade intelectual, caso dos socialistas e dos republicanos, nomeadamente e respectivamente Michelet e Proudhon e Comte e Littré, pensavam sobre as mulheres, evocando, de seguida as influências deste pensamento na Geração de 70.




Assim sendo, para Michelet, a diferença era de ordem funcional entre o homem e a mulher devido a uma especificidade orgânica, pela função que um e outro desempenha na sociedade. A vocação natural da mulher é o casamento e a família. A mulher é um ser dado ao efémero, ao que é fugaz, sendo acima de tudo a sua função e o seu lugar a casa e dar a felicidade ao homem. De Proudhon, que cita a sua obra "A Pornocracia ou as Mulheres nos Tempos Modernos", cita algumas passagens não muito favoráveis às mulheres, até porque, para Proudhon, elas são as pupilas dos homens, estão sob a sua protecção, ou então a mulher é um ínsigne animal! O célebre mutualismo de Proudhon, o homem teórico do socialismo de rosto humano, fica assim colocado em causa! Até porque para Proudhon o nivelamento baralha as funções e cair-se-á ma anarquia! Para Proudhon, os que defendem a igualdade dos sexos são os "proxenetas" da sociedade! A mulher apenas tem de ser a progenitora e cuidar do lar, asua finalidade o casamento. E, não deixa de ser curioso que para Proudhon, no casamento, se existir um amor concubinato, isto significa que o marido não está para a mulher como deve estar, mas está perante uma amante, está perante o amor-livre. E, para Proudhon, uma mulher emancipada é uma prostituta! Outra perspectiva, defensor da família para a estabilidade social, já que a família é a base da sociedade, é que admite as relações sexuais masculinas fora do casamento para a estabilidade do mesmo! Os positivistas não pensavem melhor, caso de Comte. Para este pensador, são quiméricas as propostas da igualdade sexual. As mulheres não têm inteligência nem racionalidade suficiente, apenas o homem tem tais categorias humanas, tendo as mulheres simplesmente simpatia. Em Littré, por seu turno, mais liberdade não significa igualdade, ficando fora de hipótese a igualdade sexual. Há igualmente uma outra variável de pensamento, caso dos evolucionistas, Darwin e Spencer. São muito menos taxativos que os republicanos. A selecção sexual e a função sexual que atribuem ao homem e à mulher surgem de funções desiguais, não fazendo consideração anatómicas, e tais funções são derivadas particularmente do meio e do fenómeno da adaptação. Spencer acaba por nos dizer que as mulheres têm uma apetência pelos fracos, não havendo propriamente uma diferença inata, dependendo tais diferenças das variáveis do exterior. O seu sentido de justiça, no campo abstracto, é menos desenvolvido, respondendo as mulheres mais aos apelos de piedade do que de equidade. Para Spencer, a mulher não tem qualidades para desempenhar funções públicas ou políticas.


E a Geração de 70 face a estes argumentos? Foram devastadoras, não reabilitando a mulher, antes pelo contrário, caso dos socialistas e dos republicanos. Oliveira Martins, na crítica que efectuou ao livro "Cartas a Luísa" de Maria Amália Vaz de Carvalho, acaba por dizer que, casos de mulheres como, por exemplo, de Madame Stael, são "extravagâncias da natureza humana", ou melhor, de influ~encia prodhouniana, Martins acaba por querer dizer que as mulheres não se devem dedicar à intelectualidade. Para Oliveira Martins seria o cúmulo do absurdo se as mulheres participassem em actividades cívicas ou públicas na República! Ramalho ortigão contém uma posição um pouco diferente da de Martins, principalmente a seguir à Comuna de Paris, tornando-se mais flexível. Neste sentido, Ortigão estabelece um curriculum educativo para a mulher, a educaçãoi da mulher para ser a fada do lar. O que aceitava era o trabalho temporário, transitório da mulher, na medida em que a casa é a verdadeira emancipação da mulher. Antero de Quental não anda longe. As mulheres devem ser as puras amantes, esposas e mães, e intelectualmente inferiores aos homens, as mulheres agem mais pela sensibilidade do que pela razão. A nossa Geração de 70, a fantástica Geração de 70 é, de facto, confrangedora perante a mulher como ser humano. E os republicanos? Não alteraram muito a perspectiva dos socialistas, Antero, Martins ou Ortigão. Para Teófilo Braga, a mulher é a amostra da repressão da sociedade! Um regime onde as mulheres predominassem, não é coisa boa, e diz que seria uma catástrofe, uma anarquia! Para Sebastião Lima, as mulheres têm expressões de grande afecto, mas pela emnacipação "não queremos que a mulher seja homem!" No fundo, tudo isto é canalizado para o Código Civil Português, publicado em 1867. A sociedade permite a desigualdade administrativa.




E o caso de Bernardino Machado? Tem pontos de vista completamente diferentes. Partindo das "Notas Dum Pai", republicadas pelas Câmara Municipal, Museu Bernardino Machado e a Editora Húmus (2010), o conferencista parte da ideia de Machado que uma sociedade liberal, isto é, livre, e no campo social, a mulher tem de ter um papel muito mais activo do que simples mãe ou do que simples esposa. Bernardino Machado gostaria de ver a mulher em outras instâncias, comn direitos cívicos e políticos, e nesse sentido reivindica a sua participação na reelaboração do Código Civil. O mesmo se pode dizer do Código Penal, assim como a participação da mulher na governação. Às mulheres não se devem fechar as portas da administração pública ou nos corpos sociais das instituições. Bernardino Machado proclama novas leis sobre o trabalho das mulheres, não só nas fábricas, mas de um modo geral, e que tinha começado a fazê-lo em 1893, mas que não eram aplicadas! O que era necessário, e Bernardino Machado percebeu isto muito bem, é que é preciso mudar os códigos. Este é o problema radical. O que então existia era o direito dos ricos, dos proprietários, dos homens e não das mulheres! Percebeu que os direitos, assim como os deveres, das mulheres contêm uma componente ideológica. Defendeu igualmente, não sem algumas contrariedade futuras, o sufráfio universal. Com António José de Almeida e Sebastião Lima, bernardino Machado esteve na fundação da Liga Republicana das mulheres Portuguesas. Ana de Castro osório inaugurou-a. Aliás, o que não deixa de ser interessante, a imprensa da época (1908) não reproduziu o discurso de Ana de Castro Osório, mas sim dos três republicanos que estiveram na origem da Liga! Aqui, o discurso de Bernardino Machado diz respeito à laicização das mentalidades, na medida em que as mulheres podem ser livres a partir do momento em que saiam do poder da autoridade, já que a mulher encontrava-se refém deste mesmo poder, e, neste caso, a igreja. Por seu turno, António José de Almeida começa por afirmar que a iniciativa da Liga não é da sua responsabilidade, apesar de defender a agremiação das mulheers; mas a conquista dos direitos femininos deve ser feito pelas próprias mulheres e não so homens a outorgá-los. Para Almeida, a mulher não pode habituar-se de um jacto aos direitos que lhe possam vir a ser atribuídos. Tal concessão tem de ser feita de uma forma gradual, não de deslumbramento, para não se dar passos em falso porque o homem e a mulher são dois seres fisiologicamente diferentes! Espantoso! No fundo, o que interessava aos republicanos era essencialmente a emancipação da mulher do espírito clerical e aproveitar e/ou solciitar a sua inteligência e a sua simpatia, os seus afectos, para a emancipação da obra republicana. E Bernardino Machado, segundo o Professor Norberto Cunha, mesmo perante as hipóteses que teve para a reformulação da lei eleitoral não o fez. Um homem como Bernardino Machado que promulgou a amnistia, que promoveu a projecção das classes laboriosas, que acreditava na cooperação social com a aprticipação da mulher com os mesmo direitos e deveres que o homem, não chegoua revogar a lei eleitoral. Em 1914, tendo a maioria parlamentar o partido Democrático, quando formou governo, poderia tê-lo feito; e não o fez porque entretanto Portugal entrou na I Guerra Mundial: se o fizesse, o Partido Democrático perderia as eleições, já que as mulheres não votariam no mesmo Partido Democrático, pelo simples facto dos seus homens e dos seus filhos terem ido para a guerra.


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