sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

eduardo lourenço e camilo


A vinda de Eduardo Lourenço a V. N. de Famalicão merece a minha dupla homenagem pessoal. Não é, aliás, a primeira vez que Lourenço vem a Famalicão: já cá esteve presente em 1990 no âmbito das comemorações do Centenário do Falecimento de Camilo Castelo Branco, no Colóquio Internacional que então se realizou em Seide. Agora, uma vez mais, estará presente em Seide, a convite da autarquia famalicense e da Casa-Museu Camilo Castelo Branco, na 40.º sessão da actividade denominada "Um Livro, Um Filme", escolhendo o filme "Deus Sabe Quanto Amei", de Vicenti Minnelli (1958), baseado no romance homónimo de James Jones. A sessão irá decorrer no auditório do Centro de Estudos Camilianos no próximo dia 23, às 21h30.




O facto de Eduardo Lourenço vir até nós e, mais concretamente a Seide, fez-me lembrar aquele ensaio com o título "Situação de Camilo", o qual está publicado no livro "O Canto do Signo" (1994). Esta será uma das minhas homenagens e referências, enquanto leitor de Camilo e de Eduardo Lourenço. A segunda razão de ser da minha homenagem deve-se principalmente em ser, tal como já o disse, seu leitor, fazendo-me perceber que uma interpretação a um texto, a uma obra, a um autor (filósofo e escritor), pode ser realizada para além das academias, baseando a sua intepretação num impressionismo ensaístico encantatório, perante aquilo que nos vai na alma, enqunto leitores, na descoberta daquilo que somos e poderemos ser entre a filosofia e a literatura para a compreensão da cultura portuguesa, na descoberta do nosso espaço. Leituras como "Heterodoxia" (1987), "Fernando Pessoa: roi de notre Baviere" (1989), "Nós e a Europa ou as Duas Razões" (1989), "Portugal como Destino seguido de Mitologia da Saudade" (1999), ou, por exemplo, o célebre mítico livro "O Labirinto da Saudade" (1999), entre tantos outros (dos que tenho colocarei as capas e algumas citações em htt://litfil.blogspot.com), fazem-nos perceber inquetionavelmente que não pertencemos a este mundo, mas a um outro, a um novo mundo que há-de vir, para nos integrarmos neste de mentes abertas e clarificadoras e mais presentes neste mesmo mundo.



Nos seus oitenta anos, a figura mítica de Eduardo Lourenço, tornou-se ainda mais na figura arquetípica na e da vida cultural portuguesa, não propriamente numa "figura típica", como dele pretende fazer crer Eduardo Prado Coelho, como escreveu no jornal "Público em 22 de Maio de 2003. Mas Prado Coelho exalta-nos a figura arquetípica de Lourenço, nesse mesmo texto (publica um outro no dia seguinte) quando nos diz que tem a paixão de compreender" e "isto começa por ser a apixão de compreender o outro." E acrescenta: "De uma curiosidade sem limites que vai da filosofia à política, da literatura ao futebol, do cinema até aos aspectos mais fúteis da comédia humana, Eduardo Lourenço é alguém que sempre se interessou pelo mundo e pelas pessoas de um modo que podemos dizer dominado pela noção de totalidade (há nele uma espécie de pulsão hegeliana que acabou disseminada numa forma de composição intelectual mais próxima da aventura do ensaio do que da sistematicidade da filosofia profissional, e daí que Pascal, Kierkegaard ou Nietzsche sejam algumas das suas referências fundamentais)." Foi, definitivamente prado Coelho, com estas simples palavras, que me fez perceber e entender ainda mais, do que qualquer ensaio profissional ou académico e, evidentemente, para além das leituras, o ensaísta dos ensaístas portugueses, que alia a filosofia à literatura para compreendermos a cultura portuguesa e o nosso próprio mundo. Não sei se alguma vez entre os dois eduardos tenha havido um choque de ideias, ou uma zanga intelectual. Daqui que Lourenço ficará concerteza satisfeitoem saber que a bibliotecade Prado Coelho se encontra entre nós, mais propriamente na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco.




Camilo, portanto, e, quer se queira quer não, sempre eterno. Será, precisamente, esta mesma eternidade de Camilo que Eduardo Lourenço exulta no texto já focado, "Situação de Camilo". Ao colocar a problemática, se Camilo se encontra ou não desfazado da cultura portuguesa, acaba por concluir, argumentando, já na parte final do texto, que Camilo, mais do que qualquer outro escritor, "entendeu que o corpo da nossa língua era também e, antes de tudo, a nossa alma." Retrata-nos, de seguida, a situação de Camilo no seu tempo histórico, para descodificar a interioridade da ficção. No primeiro momento, temos um Camilo como "um homem entre dois mundos", dizendo-nos Lourenço que "Camilo tem um pé no mundo antigo da monarquia absoluta que não acabava de agonizar perante os seus olhos, mundo de que será afinal o verdadeiro cronista senão o romancista, e o outro, no mundo novo do liberalismo que não escapará nunca aos seus sarcasmos e às suas invectivas." No Camilo ficcional, temos em Lourenço um Camilo enquanto escritor protótipo da "vida como ficção - tragédia, drama e comédia juntos", em cuja ficção surge principalmente a temática da paixão. Desta forma, na interpretação de Lourenço, Camilo "ensinou-nos a ficção do nosso presente: descobrindo-se Portugal a si próprio como um continente romanesco." Esta é a eternidade camiliana, dizendo-nos Lourenço que a paixão desceu do céu á terra, acrescentando a estas suas palavras o não esquecimento de Camilo de uma teologia amorosa, não terrífica, apesar da consistência dos dois paradigmas na sua ficção, em direcçãp a eros e a thanatos neste mundo, não no outro. Como costumo dizer, ou Eduardo Lourenço ou nada!


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