«Reza, quando regressares ao mundo,
repousado da longa viagem»,
disse o terceiro espírito ao segundo,
«lembra-te de mim, que sou Pia:
Siena fez-me, Maremma desfez-me:
bem sabe aquele que,
depois do noivado, me desposou com o seu anel.»
Dante
Ainda até hoje não descobri qual será aquele romance de Somerset Maugham que cheguei a ver num filme aqui há uns anos, aos anos que já foi mesmo, que então passava na televisão. A história, segundo a evocação da memória ao escrever estas linhas, relata o amor não correspondido de um jovem por uma amiga que entretanto se pretende casar, encontrando-se já noiva, transmitindo-lhe a amiga esse mesmo acontecimento fatal. A invasão da personagem masculina é total, invasão do amor para esquecimento, invasão do país, invasão do seu próprio meio social, invasão de si próprio para novos caminhos existenciais. Refugia-se nos mais variados precários trabalhos para sustento do dia e em todos esses trabalhos todos o acham diferente, como se não pertencendo a esse mundo, vivendo das suas leituras e reflexões, em comunhão permanente com os seus companheiros. O seu mundo era o seu quarto, diz-me a memória, o qual se encontrava forrado de livros. Passados anos, volta à sua pátria, ao seu mundo do real, ao seu enraizamento, e a sua amada esperava-o, porque viúva, assim o julgo, diz-me a memória, mas resistiu. Seguiu simplesmente o seu mundo. Foi apenas uma visita social. Eis o que a memória retém. Será o “Fio da Navalha”? “O Destino de um Homem?” Não sei, vou ver se arranjo estes livros para descobrir o mistério. Das leituras de Maugham apenas “Servidão Humana”, onde podemos ler destas coisas, assim: “O Amor é uma coisa terrível, não é? Imagina que há quem deseje amar…”, “O Mágico”, cuja principal personagem é Aleister Crowley, o amigo esotérico de Fernando Pessoa, retratando-nos Maugham os círculos intelectuais parisienses do início do século XX, e este “Véu Pintado”, romance que foi influenciado pelos versos de Dante que estão em epígrafe. No prefácio a este “Véu Pintado”, o outro lado do humano, é, segundo Maugham nos diz, o seu único romance cujo início foi uma história e não uma personagem, até porque as personagens é que foram escolhidas para a história. A história da felicidade do ser humano e da sua própria condição humana em busca dessa mesma felicidade, eis as histórias de Maugham. Estas linhas vieram a propósito da actividade que a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco vai promover à volta no seu CineLiterário, uma viagem entre a literatura e o cinema, tendo por base este livro de Maugham, no próximo dia 18 de Fevereiro, pelas 21h30, no auditório, cujo filme foi realizado por john curran em 2006 e baseado na obra homónima de maugham.
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