sexta-feira, 22 de abril de 2011

camilo e a música






  • Quando soou em Ruivães a nova de haver chegar ao Porto o Africano, com a filha, os homens ricos e pobres, da terra e de fora, contribuiram com mais ou menos para se lhes fazer uma espera de estrondo em Famalicão. Contractaram-se as bandas musicais mais em voga, ou mais na berra, como diziam os antigos. Parece que a frase seiscentista foi inventada particularmente para as orquestras daqueles sítios, as quais "berram" pelas suas guelas de metal, quando a paixão filarmónica as não exalta do berro ao mugido, do mugido ao urro, e do urro ao bramido. Há ali trombetas que parecem ter assistido ao arrazar-se da Jericó da bíblia, e se reservam para trovejarem o horrendo sinal da ressureição em Josafat. / Eram quatro as filarmónicas chamadas a festejarem a entrada de António Duque no concelho. A música de Landim, famosa por seis cornetas de chaves, que executavam valsas e peças teatrais, de modo que, se Ducis as ouvisse diria que a ópera lírica balbuciara os seus primórdios entre as florestas druídicas. A banda de Fafião competia coma de Guinfões na substância das trompas e troada das caixas. A de Ruivães avantajava-se às três rivais na delicadeza das modas e sentimentalismo com que as charamelas respiravam o sopro daqueles músicos, cujas bochechas pareciam estar cheias de alma e castanhas assadas.




  • Sou um homem feliz e digno de inveja. Tenho saboreado os inocentes deleites que prodigalizam ao seu auditório as quatro bandas musicais de Landim, Fafião, Ruivães e Guinfões. Quando algum amigo vai alegrar o ermo de S. Miguel de Seide, chamo logo a música mais delicada, a de Ruivães; principalmente se o amigo é de Lisboa, e frequentador de S. Carlos. O senhor visconde de Castilho e seu filho Eugénio são chamados a depor neste processo da imortalidade que vou instaurando ao figle e ao requinta, principalmente à requinta de Ruivães. Não vi o senhor visconde chorar de prazer, mas observei que s. excia estava comovido quando a requinta assobiava uns guinchos estridentes de "Maria Caxuxa". / Tomás Ribeiro, o poeta eminente, recolhia-se às vezes, não só ao seu quarto a calafetar os outros, mas ao íntimo de sua alma a fazer viveiro de inspirações. Eugénio de Castilho, o poeta das fantasias louras, quer a música de Ruivães lhe amolentasse a sensibilidade, quer os rouxinóis das ramarias lhe dessem invejas dos seus amores, fosse o que fosse, foi assaltado e vencido duma paixão.


Camilo, Aquela Casa Triste



Do projecto literário


O Minho de Camilo: breviário

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