segunda-feira, 18 de abril de 2011

a lei da separação do estado da igreja em famalicão



Numa altura em que está para breve a inauguração da abertura da exposição "A Lei da Separação: Estado e Igrejas na República", no Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças, em Lisboa, no próximo dia 20, nada como reflectirmos sobre o Questionário/Inquérito que Bernardino Machado, logo no início do seu governo em 1914, fez promulgar e referente à execução, uma nova remodulação estava em perspectiva da mesma lei, dirigiu ao País, sendo o referido Questionário preenchido pelos administradores dos concelhos, assim como pelos presidentes das câmaras. Foi o que sucedeu em Vila Nova de Famalicão, a cujo Questionário respondeu o então Presidente da Câmara Municipal de então, Zeferino Bernardes Pereira, que esteve no cargo entre 1914 a 1917. Esta documentação encontra-se reproduzida na Biblioteca e Arquivo Digital do Ministério das Finanças e da Administração Pública, contendo imensa documentação relativa a V. N. de Famalicão e ao seu concelho. É uma documentação única para a compreensão da nossa comunidade nos seus mais variados aspectos, passando pela mentalidade política, social, cultural, económica e, claro, religiosa no tempo da I República. O que pretendo aqui divulgar é o respectivo Questionário/Inquérito de 1914 relativo a V. N. de Famalicão; e, contudo, nem tudo o que parece é: as respostas lineares do então Presidente da Câmara Zeferino Bernardes Pereira, não corresponde à realidade, pelo que já vi e consultei na imprensa famalicense. Parecem respostas mais de foro pessoal, do que propriamente mais informadas sobre o movimento religioso no concelho. Num caso ou noutro, atingiu mesmo proporções nacionais. Muito havia a comentar a estas respostas! Reproduzo os originais do Questionário / Inquérito, transcrevendo-o. Uma última palavra: agradeço esta fantástica informação ao Dr. Manuel Sá Marques, sempre atento às actividades de Bernardino Machado, seu avô.





1.º Tem havido nesse concelho conflitos motivados pela Lei da Separação?



  • Tem havido.


2.º Por que motivo e quantas vezes?



  • Não posso saber quantas vezes e os motivos. Tem sido somente a má vontade do padre contra a lei, pois que, na sua grande generalidade, não se confina ainda com ela. hostilizando-a sempre que podem.

3.º Quem dirigiu esses movimentos? Os padres, os agentes destes, a massa dos fiéis provocada por eles, ou o povo em movimento espontâneo?



  • São sempre os padres: e esses movimentos restritos ao que anteriormente fica dito. Dos fiéis colectivamente nunca aqui se levantou conflito algum, nem movimento algum de protesto.




4.º O povo sente e manifesta a necessidade do culto religioso? Por simples culto de tradição, por divertimento e gozo ou por má fé?



  • O povo não sente necessidade alguma neste sentido. Tem o culto religioso por tradição e educação e até por um costume resultante do meio em que vive. Parece-me haver quem especule com a religião e haver quem vá à igreja simplesmente para se mostrar.


5.º Parece-lhe que a República será prejudicada se a Lei da Separação não sofrer qualquer modificação no sentido de se facilitar o culto externo? Há, porventura, no movimento quem reivindique a causa das congregações religiosas?



  • Não me parece, pois a República não é incompatível com a lei da separação e assim ela deverá ter apenas pequenas modificações. Ninguém aqui reivindica a causa das congregações religiosas, a não serem alguns espíritos obcecados pela ignorância ou pelos interesses, mas estes são felizmente em número muito pequeno neste concelho


6.º O povo ou qualquer associação tem reclamado contra a aplicação da citada lei?



  • Não tem reclamado ninguém, além da reacção política e religiosa.




7.º Foram expulsos desse concelho alguns padres? Quantos e porque motivo?



  • Expulsos superiormente só foram dois, por desacato às leis do Estado. Há quatro que fugiram por conspiradores e mais dois foram processados por juízo, sendo absolvidos.


8.º Os padres expulsos têm sido substituídos? Quando regressaram, qual foi a atitude do público e dos fiéis: favorável, hostil, ou indiferente?



  • Sim. Foram substituídos - um por indicação do mesmo expulso, outro por escolha dos fiéis. Dos expulsos, um fugiu para o Brasil, onde está, o outro incorporado em virtude da amnistia. Não sabemos como será recebido.


9.º A concorrência aos templos tem aumentado ou diminuído depois da proclamação da República?



  • Não tem aumentado. É a mesma coisa.



10.º Quantos padres pensionistas há? Têm sido perseguidos? Por quem e que motivo é alegado para a perseguição?



  • Houve três, destes morreu um, foi outro para o Brasil, restando apenas um só. Têm sido persegudios pelos outros padres, sob protesto de que foram traidores à classe. O que foi para o Brasil, foi fugido a esta perseguição.


11.º Nota-se fanatismo nesse concelho? Com que intensidade?



  • Existe, mas em moderada escala. É mais pronunciado nas mulheres.





12.º Quantas igrejas há? Quantas se criaram depois da proclamação da República? Quantas se fecharam? Quantas se reabriram? Quantas foram interditas?



  • Há pelo menos 50 igrejas, tantas como paróquias. Também há bastantes capelas. Após a proclamação da República, nem se criaram, nem se fecharam igrejas nenhumas.


13.º Que mais se lhe oferece dizer sobre o assunto?



  • Que a Lei da Separação deve ser aprovada pelo Parlamento quanto antes, visto que, após a amnistia, os inimigos dela podem por qualquer meio procurar hostilizá-la.

Sem comentários:

Enviar um comentário